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Diálogos & Comunicação | Uma breve perspectiva psicanalítica, junguiana e neurocognitiva.

 

Tanto a psicanálise clínica quanto a psicologia analítica oferecem ferramentas valiosas para compreender os desafios da comunicação e do diálogo na conjugalidade. Enquanto a primeira enfatiza os mecanismos do inconsciente individual e as repetições ligadas à infância, a segunda destaca a importância dos arquétipos, das projeções e do encontro entre duas totalidades psíquicas.

Ambas valorizam o diálogo como via de acesso ao inconsciente e entendem que a comunicação empobrecida muitas vezes é sinal de desconhecimento de si e do outro. Dentro desta breve perspectiva deixo aqui três considerações de cada abordagem. Na clínica clássica da psicanálise, a comunicação entre parceiros é vista como um campo de expressão de desejos, conflitos, ansiedades e defesas inconscientes. A relação conjugal é frequentemente marcada por transferências mútuas, ou seja, cada parceiro projeta no outro figuras importantes do passado (pais, irmãos etc.).

O primeiro aspecto na clínica clássica da psicanálise é a transferência e contratransferência. Nesta dinâmica, O casal pode reencenar dinâmicas infantis em suas interações. Por exemplo, uma pessoa pode esperar do parceiro a figura protetora do pai ou da mãe ausente.

O segundo aspecto na clínica clássica da psicanálise são as defesas psíquicas. Que são mecanismos como negação, projeção e identificação projetiva podem distorcer a comunicação. Um parceiro pode, por exemplo, projetar sua própria insegurança no outro: “Você é ciumento(a), não eu”.

O terceiro aspecto na clínica clássica da psicanálise é a comportamento compulsivo ou ritual. Neste ponto podemos refletir que muitos casais repetem padrões disfuncionais, mesmo quando conscientemente desejam corrigir a disfuncionalidade, o comportamento. Nesta dinâmica a comunicação fica comprometida, porque os parceiros estão cativos a scripts antigos, que são padrões de comportamento emocionais que se desenvolvem desde a infância e continuam a influenciar a vida adulta se não elaborados com responsabilidade.

A comunicação empobrecida, refere-se à redução da capacidade de uma pessoa se expressar e interagir de forma eficaz, tanto verbalmente quanto não verbalmente. Essa redução pode manifestar-se em diversas formas, como uso limitado do vocabulário, dificuldade em adaptar a linguagem ao contexto, problemas na compreensão de mensagens não verbais e dificuldade em manter conversas.

É importante ressaltar que, comunicação empobrecida também pode ser causada por fatores como negligência, violência, trauma, falta de estímulo na infância e uso excessivo de telas. Quantos aos scripts emocionais antigos, refere-se a padrões de comportamento e reações emocionais que se desenvolvem na infância e continuam a influenciar a vida adulta, muitas vezes de forma inconsciente.

Na psicológica analítica (Junguiana), a comunicação e diálogo na conjugalidade, Carl Jung introduziu conceitos como anima/animus, shadow (sombra), complexos, individuação e sincronicidade, que dão uma nova luz à compreensão das relações conjugais expandindo nossa visão para aprofundar a complexidade da alma e de seus impulsos mais íntimos.

O primeiro aspecto na psicológica analítica (Junguiana), é a individuação. O intuito, o processo de tornar-se quem realmente somos, isso implica reconhecer que o parceiro não existe para completar nossas lacunas psíquicas, mas sim para caminhar ao nosso lado no processo de autoconhecimento.

O segundo aspecto na psicológica analítica é o encontro entre dois inconscientes. Jung via a relação conjugal como um encontro profundo entre dois mundos internos. A comunicação efetiva exige escuta atenta dos sonhos, símbolos, gestos e sentimentos que emergem fora da consciência.

O terceiro aspecto na psicológica analítica é o diálogo simbólico. Na psicologia analítica, a comunicação vai além das palavras — inclui gestos, rituais, arte, sonhos. O diálogo verdadeiro ocorre quando há respeito pelas diferenças e acolhimento do "outro" como um ser autônomo e simbolicamente rico.

Diante destas perspectivas não se pode deixar de considerar ao refletir sobre esta temática, o que poderíamos acrescentar para elucidar anda mais como a nossa psique se estrutura, que é o estudo científico do sistema nervoso, conhecido como ciência neural ou neurociência. É um campo da ciência que estuda como o cérebro sustenta os processos mentais, como a percepção, o pensamento, a aprendizagem e a memória.A neurociência traz insights sobre como o cérebro humano está estruturado para se conectar com outros cérebros, e como essa conexão afeta a qualidade da comunicação e do vínculo conjugal. 

Aqui estão dois elementos do diálogo na conjugalidade sob a perspectiva da neurociência que acredito serem de suma importância:

Em primeiro lugar a conexão neural e empatia: o sistema espelho-neuronal. O cérebro humano possui neurônios-espelho, que se ativam tanto quando realizamos uma ação quanto quando observamos alguém fazendo algo semelhante. Isso é fundamental para a empatia e a compreensão mútua no diálogo. Quando um parceiro fala, o outro não apenas ouve, mas "simula" internamente as emoções e intenções por trás das palavras.

Uma escuta empática ativa esses circuitos, facilitando a conexão emocional e reduzindo a defensividade. Na prática, o diálogo eficaz na conjugalidade requer escuta ativa e presença emocional, já que o cérebro do parceiro percebe inconscientemente quando estamos distraídos ou desinteressados.

Em segundo lugar, regulação emocional e o papel do córtex pré-frontal. Nesta dinâmica durante conversas delicadas ou conflitos, o sistema límbico (responsável pelas emoções) pode dominar, levando a reações impulsivas ou defensivas. Nessa engranagem o córtex pré-frontal é responsável pela regulação emocional, raciocínio e controle inibitório. Ele permite que as pessoas dialoguem mesmo em momentos tensos, assim casais que conseguem manter o diálogo calmo em meio ao conflito geralmente têm melhor regulação emocional cerebral.

Na prática, o mindfulness, meditação e técnicas de respiração podem fortalecer o córtex pré-frontal, ajudando os casais a dialogarem com mais clareza e menos reatividade.

Cinco sugestões práticas para melhorar o diálogo conjugal:
1. Façam pausas durante discussões quentes para permitir a regulação emocional.
2.     Usem linguagem não violenta: “Eu me sinto…” em vez de “Você sempre…”
3.     Mantenham contato visual e linguagem corporal aberta.
4.     Reservem tempo para diálogos sem pressa ou distrações.
5.     Pratiquem gratidão e validação mútua antes de discutir problemas.

A verdadeira comunicação começa no silêncio entre as palavras. Entende que comunicar-se bem não é apenas falar — é saber distinguir o que você ouve do que você realmente escuta. Há uma diferença sutil, mas profunda: ouvir é captar sons; escutar é dar sentido ao que foi dito — e, muitas vezes, ao que foi calado. Quando aprendemos a escutar, elevamos nossa consciência e fortalecemos o diálogo. Sem comunicação consciente, o diálogo perde força — e espaço. Sem escuta qualificada a comunicação se torna mera repetição de palavras vazias.

Trabalhar a escuta qualificada é fundamental para manter uma comunicação assertiva, construir empatia e fortalecer o vínculo. Os conflitos conjugais surgem não por falta de amor ou comprometimento, mas por falhas na comunicação — especialmente quando um dos parceiros sente que não está sendo ouvido. É na escuta atenta que podemos observar, compreender e responder de forma alinhada — e é assim que construímos diálogos profundos, significativos e transformadores.

A escuta qualificada na conjugalidade vai muito além de ouvir palavras — é ouvir com o coração, discernir com clareza e com a intenção de compreender e cuidar do outro. Quando os dois parceiros praticam esse tipo de escuta, o relacionamento tende a ser mais empático, seguro e afetuoso. Tudo começa com um simples: ouça! Ou melhor, você pode me escutar por um momento escute?

É preciso ter a consciência para compreender na escuta, não apenas para responder. No consultório muitos casais entram em uma conversa já planejando o que vão dizer depois. Isso pode indicar que o outro não está sendo realmente ouvido. Experimente suspender sua defesa ou contra-argumentação por um momento e pergunte-se: “O que ele/ela está tentando me dizer além das palavras?”

Olhem além do obvio, decodifique o sentimento por trás da mensagem, como frustração, medo ou necessidade. É trabalho árduo, não há construção relaciona afetiva se dedicação, trabalho e resistência emocional. Em tempo, valide as emoções do parceiro, nem sempre estará de acordo totalmente, ratificar as emoções é essencial para a conexão emocional. Como por exemplo: 

·        “Eu entendo por que isso te deixou chateado(a).”
·        “Sei que isso é importante pra você.”
·        “Sinto muito que você esteja passando por isso.”

Ao respeitar as emoções não significa concordar, mas reconhecer que o sentimento existe e se importar é um exercício de empatia. Considere terapia de casal, ter auxílio de um profissional experiente permitirá ao casal mais clareza sobre as dificuldades de diálogo e comunicação, além de expandir a compreensão sobre as crenças que cada um carrega. Se a comunicação está muito difícil ou há mágoas antigas que tem sido um impeditivo para a harmonia e o bem-estar, talvez seja a hora de buscar ajuda profissional. 

Para aperfeiçoar a escuta e a comunicação de forma mais estruturada, assertiva antes de qualquer ponto inicial será necessário autoconhecimento para uma maior consciência e cognição de si e sobre o mundo a sua volta.

Tendo considerando objetivamente estes aspectos, uma relação conjugal saudável não se sustenta apenas na paixão inicial, mas na escolha diária de comunicar com clareza, caminhar lado a lado e compartilhar intimidades com cumplicidade. É nesse encontro de vozes e corações que o diálogo ganha força e significado. Assim, a comunicação objetiva e a parceria sincera e o afeto presente, são as bases que transformam palavras em pontes — e não muros. Pois só dialoga bem com quem escuta com o coração aberto e discernimento suas pulsões. É na regulação das emoções e na fala com autenticidade que os diálogos se qualificam.

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Cezar Camargo
Psicanalista Clínico
Analista Junguiano & DHI

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