A Graça de Deus algumas vezes é chamada libertação ou livramento, sendo que por ela
somos libertados da escravidão do pecado; mas também é chamada, ora reparação
do nosso ser, pela qual, sendo posto de lado o velho homem, somos restaurados à
imagem de Deus; ora regeneração, pela qual somos feitos novas criaturas; ora
ressurreição, pela qual Deus, fazendo com que morramos, ressucita-nos por seu
poder. Todavia, aqui é preciso observar que o livramento nunca é completo,
visto que uma parte de nós permanece sob o jugo do pecado; que a restauração
jamais se realiza completamente, portanto muita coisa dos vestígios do homem
terreno permanece; e que a ressurreição nunca é completa, pois alguma coisa
retemos do velho homem. Isso porque, enquanto estamos encerrados nesta prisão
que o nosso corpo é, trazemos sempre conosco as relíquias, ou seja, os restos
da nossa carne, os quais na mesma proporção diminuem a nossa liberdade. Porque
a alma fiel, depois da sua regeneração, divide-se em duas partes, entre as
quais há uma diferença perpétua. Pois, quando é regida e governada pelo
Espírito de Deus, ela deseja e ama a imortalidade, o que a incita e a induz à
justiça, à pureza e à santidade, e assim não medita noutra coisa senão na
bem-aventurança do reino celestial, e
aspira inteiramente à companhia de Deus; e no que permanece ainda em seu natural, estando impelida pela lama
terrena e envolta em más ambições, não
enxerga o que de fato é desejável e onde está a verdadeira felicidade.
Detida pelo pecado, mantém-se longe de Deus e da sua justiça.
O
combate cristão
Daí surge um combate que põe em ação o
homem fiel durante sua vida toda, sendo que pelo Espírito é elevado às alturas,
e pela carne é levado a desviar-se e é derribado.
Segundo o Espírito, ele se dirige cheio de
ardente desejo para a imortalidade; segundo a carne, desvia-se por um caminho
que leva à morte. Segundo o Espírito, ele pensa em viver retamente; segundo a
carne, é atraído pela iniqüidade. Segundo o Espírito, ele é conduzido para
Deus; segundo a carne, é levado a recuar. Segundo o Espírito, ele condena o
mundo; segundo a carne, cobiça os prazeres mundanos.
Não se trata aqui de uma especulação
frívola, da qual não teríamos nenhuma experiência na vida, mas é uma doutrina
caracterizada pala prática, que verdadeiramente experimentamos em nós, se somos
filhos de Deus.
Autor:
João Calvino
Fonte:
As Institutas - Edição Especial, p. 132,133.Editora CEP. Compre este
maravilhoso
Comentários