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Que surpreendente graça!


 Parábola da mulher de Tecoa e a Cordeira
(2 Samuel 14,1-24)(2 Samuel 11,12-7)

É interessante comparar a parábola da mulher de Tecoa com a parábola acerca da cordeira. Essa comparação é sobretudo importante porque ressalta as diferenças entre uma e outra. Novamente, Davi é o alvo da parábola. A da Cordeira foi proferida por Nata, o profeta inspirado; a dos Dois irmãos, por uma mulher esperta, instigada por Joabe, que era “astuto, político e inescrupuloso”, capaz de “ler o caráter humano e discernir as motivações humanas se lhe fosse dada uma oportunidade, mesmo que pequena”.

A parábola de Nata foi uma ardente condenação ao pecado duplo de Davi, de sedução e de assassinato; a parábola da mulher de Tecoa estava cheia de astúcia e de bajulação. Aquela se baseava nos princípios divinos da verdade, da justiça e da retidão, sendo proferida com toda a solenidade; esta foi um misto de verdade e de falsidade, e de conclusões erradas sobre Deus. A mulher que Joabe subornou para contar a parábola que ele arquitetara não sentia de fato o que, na verdade, era só encenação. Ela protagonizou um espetáculo impressionante. Só encenação. Assim, também o objetivo de cada parábola difere. A de Nata foi feita para condenar Davi por seu pecado e induzi-lo a um arrependimento verdadeiro; a da mulher tinha por objetivo apoiar os planos de Joabe, cheios de interesses próprios e de um senso de autopreservação.

1. O ambiente da parábola. A história inventada por uma “mulher humilde e desconhecida, de uma vila também pouco conhecida de Israel, quase 3 mil anos atrás”, foi atentamente ouvida por Davi, porque sentia nela uma correspondência com a sua própria história. Embora Deus lhe tivesse feito descansar dos seus inimigos, Davi ainda estava dominado pela lembrança de sua dolorosa queda e, nos pecados e crimes de seus filhos, escutava o triste eco das transgressões que ele mesmo cometera. Sua harpa, tantas vezes um consolo, para ele estava “pendurada no salgueiro” (Sl 137.2). Absalão, seu filho amado, estava no exílio havia três anos, por ter assassinado seu irmão Amnom, que havia violentado Tamar (irmã de Absalão e meia-irmã de Amnom). Apesar dos pecados de Absalão, Davi ansiava por vê-lo: “o rei Davi sentiu saudades de Absalão”.

Em seu livro, cheio de vividos sermões biográficos, Clarence E. Macartney, ao tratar da “Mulher de Tecoa”, mostra com forte realismo o conflito que Davi passou naquele momento. De um lado estava o Davi rei, guardião da justiça; do outro, o Davi pai, saudoso do filho que cometera aquele crime:
“O Davi rei, sustentáculo da lei, está dizendo: 'Absalão, você é um assassino. Você matou de forma traiçoeira o seu próprio irmão. Você sujou as mãos com o sangue de Amnom. Violou a lei de Deus e a lei dos homens. Absalão, permaneça no exílio. Nunca mais veja o meu rosto”.

“Mas o Davi pai está falando de maneira muito diferente: 'Absalão, volte para casa. Sem você, os banquetes não têm o mesmo sabor; sem você, a minha harpa fica sem melodia; sem você, as salas do palácio são tristes; sem você, os cerimoniais de guerra nada mais são que um espetáculo vazio. Você matou seu irmão, mas, apesar de todas as suas falhas, eu ainda o amo. Absalão, meu filho, meu filho, volte para casa'”. Então se passaram os dias, as semanas, os meses e os anos.

2. A essência da parábola. Ao perceber o desejo de Davi de trazer de volta a Absalão, embora a justiça o houvesse obrigado a ser severo, Joabe, chefe do exército, conselheiro e amigo do rei, sabia que havia apenas uma solução para a dor que estava impedindo Davi de cumprir seus deveres reais. Ele teve a idéia da parábola, e sabia que uma mulher poderia contá-la melhor que um homem. Evidentemente a mulher de Tecoa tinha sabedoria, sutileza e eloqüência, e a parábola foi criada com o propósito claro de não se assemelhar tanto à história de Absalão. Então, cobrindo-se com a máscara da dor e da aflição, a mulher transmitiu a mensagem que Joabe lhe pusera nos lábios. Para Macartney, essa narrativa: “é um dos quatro ou cinco grandes discursos da Bíblia [...] Em nenhum lugar da Bíblia se vê, em tão curto espaço, uma passagem com metáforas tão lindas quanto essas, tão emocionantes, apaixonadas e eloqüentes”.

O lamento da mulher, em evidente sofrimento, tocou o coração bondoso e cordato de Davi, que, mandando que se levantasse, perguntou: “Que tens?”. Então ela contou a tocante história dos dois filhos que, brigando em um campo, um acabou sendo morto. Por causa do assassinato, o restante da família se revoltou e exigiu que ela entregasse o filho vivo para ser morto por causa do crime. Quando ela clamou pela segurança do suposto filho, Davi se comoveu e disse-lhe que fosse embora, pois sua petição seria atendida: “não há de cair no chão nem um cabelo de teu filho”.

Ao destruir as defesas externas do coração de Davi, a mulher, instruída pelo astuto Joabe, dirigiu-se às defesas internas; com uma graciosidade, uma sutileza e uma humildade incomparáveis, apresentou o apelo para o regresso e a segurança de Absalão, embora ele tivesse assassinado o irmão. Ao penetrar no disfarce da mulher, Davi detectou o estratagema de Joabe: “Não é verdade que a mão de Joabe anda contigo em tudo isto?”. A mulher prontamente confessou que todo o esquema era do chefe do exército. Davi então mandou chamar a Joabe e designou-o para fazer “voltar o jovem Absalão”. E assim o filho banido retornou.

Ainda assim, porém, não houve reconciliação familiar imediata. Davi o proibiu de ver a sua face e, por causa desse regresso “incompleto”, o mal surgiu. Passaram-se dois anos até que pai e filho se encontrassem novamente face a face. Irritado com a ação de Davi, Absalão planejou uma conspiração para derrubar o próprio pai e lhe tomar o trono. Não estaria Davi colhendo com dor as conseqüências dos seus pecados, nas quais se incluíam as transgressões de seus dois filhos? Amnom era culpado de sedução, e Absalão, de assassinato; ambos os crimes se vêem no tratamento de Davi com Urias e com Bate-Seba. Pode ser que a consciência de seu duplo pecado lhe tenha enfraquecido a determinação. Se tivesse punido o filho Amnom como merecia, não teria havido a necessidade de banir Absalão. Davi estava amargamente certo de estar colhendo o que havia semeado, e seus filhos estavam apenas seguindo seus passos.

3. O significado espiritual da parábola. Mil anos antes de Cristo morrer na cruz, para trazer os exilados de volta a Deus, a mulher de Tecoa teve um vislumbre da verdade divina, embora a tenha aplicado de forma equivocada e a tenha pervertido para um mau intuito. “Ele também cria um meio de impedir que os seus desterrados sejam afastados dele”. Que poderoso evangelho essa mulher inconscientemente pregou! Deus não se vinga imediatamente, mas “espera para ser gracioso”. Os pecados baniram o homem da presença de Deus, mas este proporciona os meios de trazer o pecador de volta. Que meios ele criou? A encarnação, a morte e a ressurreição de seu amado Filho, com toda a certeza! Deus amou um mundo de perdidos pecadores, e seu coração foi à procura de banidos que, quando retornam, não são aceitos de meio-coração, como Davi recebeu o seu filho pródigo Absalão. Uma vez que o pecador volte para Deus, a reconciliação é completa, e o que retorna, salvo, é um com Deus, plenamente aceito no Amado.

A Parábola dos dois filhos, que Jesus contou em Lucas 15, é o correspondente neotestamentário da Parábola dos dois filhos, de Joabe. O pai perdera um dos dois filhos, que se tornou um pródigo em terra longínqua; mas seu amor acompanhou o rapaz obstinado, o qual, em seu retorno, teve uma recepção completa e recebeu também a plena e irrestrita bênção paterna e os privilégios de filho. O plano de perdão e de restauração de Deus foi mais longe que o de Joabe. Davi enviou o chefe do exército para trazer Absalão de volta para casa. O coração paterno de Deus o compeliu a enviar o seu Filho unigênito para morrer pelo pecado, para que os pecadores pudessem ser plenamente reconciliados com Deus.

Que surpreendente graça!

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