Eu mudei, você não: Entendendo a Assincronia de Individuação nos Relacionamentos
Quantos relacionamentos terminam não com um grande estrondo, mas com a sensação desconcertante de que uma das pessoas simplesmente... "despertou" e decidiu ir embora?
O que leva um
parceiro a ir embora, se antes o casal estava apaixonado, cheio de vida e com
planos para o futuro?
O que poderia
ter acontecido a ponto de o acordo ser quebrado?
O que
frequentemente vemos como "egoísmo" ou "traição" é, na
verdade, um dos processos psicológicos mais profundos e dolorosos da vida
adulta: a assincronia de individuação.
Mas o que é Assincronia de Individuação?
Primeiro, o que é assincronia?
Significa simplesmente "fora de sincronia",
"em ritmos diferentes", "não alinhado".
Acontece
quando uma pessoa já corre na pista da autonomia individual, enquanto a outra
ainda está parada na linha de partida da identidade do "casal".
O que é "Individuação"?
“A
individuação não significa tornar-se um eu isolado, mas sim tornar-se o mundo
em miniatura, inteiro em si mesmo.” (Jung, Aion, 1951)
Segundo Carl Gustav Jung, o aparelho psíquico busca naturalmente o equilíbrio, e é o Self — o centro ordenador da psique — que organiza esse movimento.
Para entender o problema, precisamos primeiro entender o conceito. O psiquiatra suíço Carl Gustav Jung cunhou o termo individuação para descrever o processo natural e vitalício de uma pessoa se tornar um "indivíduo" — ou seja, um ser psicológico completo, unificado e distinto da massa (Jung, 1961/2012).
É importante destacar que o crescimento do relacionamento está intimamente ligado ao processo de individuação de cada um. Essa busca íntima é fundamental para uma vida (relacional) intensa e próspera.
Em um
relacionamento, formamos uma terceira identidade:
o "Nós".
A
individuação é o processo de resgatar o "Eu" de dentro do
"Nós".
Logo, dois inteiros devem desfrutar de forma regular de um processo seguro e responsável de autocuidado, no intuito de preservar a saúde mental do “Nós”.
A Tragédia do Desalinhamento (A Assincronia)
A
"assincronia" ocorre quando um dos parceiros inicia esse processo de
individuação de forma acelerada, enquanto o outro permanece totalmente
investido na identidade fusionada do "Nós". Vemos
isso em muitos términos dolorosos, frequentemente causados pela ausência de
diálogos sinceros e viscerais.
Os parceiros tornam-se portadores de uma comunicação empobrecida — como já refletimos em outro post aqui do blog, essa comunicação refere-se à redução da capacidade de uma pessoa se expressar e interagir de forma eficaz, tanto verbalmente quanto não verbalmente.
Vamos analisar um cenário comum, baseado em conflitos reais:
O Parceiro que "Acorda" (Fase A)
Um
dos parceiros (vamos chamá-lo de Parceiro A) começa a sentir que o
"Nós" se tornou sufocante.
Ele pode
começar a frequentar eventos sociais sozinho (como uma festa ou uma feijoada,
mesmo que o outro esteja ocupado ou trabalhando).
Psicologicamente,
porém, o Parceiro A pode já ter se "desligado" da relação.
O Parceiro que é "Deixado" (Fase B)
O
Parceiro B, ainda operando totalmente dentro da lógica do "Nós", vê
essas ações como um ataque direto.
É aqui que a assincronia explode:
O
Parceiro A, já em processo de separação psíquica, faz propostas que soam frias
e pragmáticas.
Para o
Parceiro B, isso é a "castração" simbólica final.
O Parceiro B,
então, é forçado a uma individuação reativa.
Quando a Fuga se Torna a Única Saída
Nesse
cenário de colapso, o Parceiro B (o que foi "deixado") pode
desenvolver seus próprios mecanismos de defesa.
Muitas vezes,
a única forma que seu Ego encontra para lidar com a dor de ser
"anulado" é criar um plano de fuga.
Conclusão: Não existem vilões, existe o processo
Analisar um término pela lente da assincronia de individuação nos tira do ciclo vicioso de "culpa" e "traição" e nos coloca no território do desenvolvimento humano.
Não se trata
de apontar um "vilão" (o que se individuou) ou uma "vítima"
(o que ficou para trás).
O verdadeiro desafio, como aponta a psicologia analítica, não é culpar o outro por sua jornada, mas ter a coragem de iniciar a sua própria.
Cezar Camargo - Consultor Estratégico em Potencial Humano, Psicanalista Clínico, Bacharel em Filosofia & Analista Junguiano, Especialista em Saúde Mental e Traumas Familiares.
📚 Referências Bibliográficas
- Hollis, J. (2001). O Pântano da Alma: A necessidade de um relacionamento significativo. São Paulo: Paulus Editora.
- Jung, C. G. (2011). A Dinâmica do Inconsciente. (Original publicado em 1961). Petrópolis: Vozes. (Especialmente os capítulos sobre "A Individuação").
- Jung, C. G. (2012). Tipos Psicológicos. (Original publicado em 1921). Petrópolis: Vozes.
- Von Franz, M-L. (1997). O Processo de Individuação. In: Jung, C. G. (Ed.), O Homem e Seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

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